intervenção realizada no bairro do bom retiro, em são paulo (fev - jul/2019)
desenvolvida com hiram latorre 

trabalho dedicado à annabel melo, por ter nos feito olhar com tanto carinho para o edifício anabela
A intervenção no Bom Retiro surgiu de uma tentativa de se aproximar do bairro, em um primeiro momento, desconhecido. Se baseia, portanto, em interpretar aquilo que não faz parte do cotidiano.
1. a prince tower
etapa desenvolvida com annick matalon e octávio zazzera 
Começamos por uma caminhada, uma deriva, fotografando o que víamos: uma série de elementos que, por serem completamente desconhecidos a nós, não faziam sentido. O principal deles foi a Prince Tower: um clube de golfe coreano, quase que fechado aos demais frequentadores do bairro.  A partir dela, começamos nossa leitura.
Foram suas barreiras que chamaram nossa atenção. Primeiro, as redes que, apesar de transparentes, criavam toda uma nova atmosfera. Depois, seu desconhecimento em toda a região: ninguém no bairro sabia o que acontecia ali, nem onde seria sua entrada.
Foi o ponto final de nossa deriva o interior da Prince Tower, o clube de tacadas onde só se falava coreano. Ele não queria ser entendido por mais ninguém. Desenvolvemos uma cartografia guiando nossa deriva e localizando, por meio de cores e palavras, os pequenos estranhamentos que tivemos. O final do percurso era, logicamente, a Prince Tower, o ponto de estranhamento máximo.

prince tower por fora
prince tower por fora
prince tower por dentro
prince tower por dentro
o exterior, quando visto da prince tower
o exterior, quando visto da prince tower
o interior, quando visto da prince tower
o interior, quando visto da prince tower
cartografia retratando a primeira caminhada pelo bom retiro
cartografia retratando a primeira caminhada pelo bom retiro
2. o vestido
Procuramos, então, transmitir o que entendemos da Prince Tower em outro ponto do Bom Retiro. Fomos pelo raciocínio oposto: se a torre é fechada e reclusa, precisávamos de um lugar extremamente frequentado: o cruzamento entre as R. da Graça, Silva Pinto e Três Rios. Por ele, passam inúmeras pessoas todos os dias, para as mais diversas finalidades.
Para trazer o Prince às esquinas, o traduzimos em um vestido (o Bom Retiro é também conhecido por sua produção têxtil, afinal). Assim como a torre, ele também está envolto por uma capa transparente, que o destaca. 
A capa, porém, é bastante fácil de ser removida: basta abrir seu único botão.  Com o Prince, a mesma coisa: sua atmosfera parece intransponível, até ser transposta.  É o invólucro, que os faz com que o vestido seja percebido imediatamente. Sem ela, não passa de uma roupa comum. Sem ela, o Prince não passaria de mais uma torre.  
3. o desenho
A próxima ideia era fazer uma intervenção própria ao cruzamento, pensada diretamente para ele. Para isso, era necessário estudá-lo um pouco melhor. Por 5 dias, fui ao cruzamento. A cada dia analisei um aspecto de todas as suas 5 esquinas.
segunda-feira, estudo geral: do mesmo ponto em que foi colocado o vestido, tentei desenhar cada esquina. Com tamanho movimento, não me consegui me concentrar em um só aspecto, então desenhei o que consegui da confusão. Entendi que precisava simplificar ao máximo o cruzamento.
terça feira, análise de anúncios e escritos: para cada esquina foram feitos 2 desenhos, um representando a fachada com os nomes de cada estabelecimento, outro com suas cores e anúncios.
quarta-feira, estudo de esquinas: desenho individual da perspectiva de cada esquina, se observadas do centro do cruzamento.
quinta-feira, estudo de edifício: desenho do Edifício Anabela para entender as proporções e pontos de anúncios.
sexta-feira, conceitualização: após todos os experimentos com desenhos, ficou ainda mais evidente a enorme diferença entre o cruzamento e a Prince Tower. Ela procura o tempo todo se esconder, enquanto aquele precisa ser o mais óbvio possível.
Muitas pessoas passam pelo cruzamento principalmente por estarem a caminho de algum lugar. Ele se localiza a menos de 10min da estação São Joaquim do metrô e, na R. Três Rios, há centros culturais e escolas. Além disso, inúmeras pessoas trabalham no local (bares, restaurantes e lojas).
Afinal, o Bom Retiro é também muito conhecido por seu aspecto comercial. Nele, há muitissíma oferta dos mais variados produtos (refeições, aparelhos domésticos, aviamentos e roupas).  Majoritariamente, ele não trabalha com marcas específicas. Por isso, é extremamente importante que cada estabelecimento anuncie, na rua, o máximo que conseguir. Em cada uma das 5 esquinas, as fachadas são, antes de mais nada, um importantíssimo elemento de comunicação.
A começar, por não poder contar muito com o nome de marcas, não se entende o que exatamente está sendo vendido em uma loja só pelo seu nome. Não à toa, no letreiro está sempre anunciado o material nele comercializado (“Belissíma Aviamentos”, por exemplo).
Outro fator é que, no bairro, a concorrência é imensa (só nas esquinas, existiam mais de 5 lojas de roupa diferentes). O diferencial entre elas está, principalmente, nos preços. Toda e cada promoção, ou oferta, deve ser anunciada. Assim, chamará a atenção de quem passa, atraindo possíveis clientes.
A intervenção, portanto, deveria partir do ponto de que o cruzamento era visualmente caótico.  Por isso, optamos por um “cavalete humano” Com sua angulação, ele mudaria completamente a perspectiva de observação dos anúncios e ofereceria um ponto para se deitar em um ambiente tão movimentado.
4. o cavalete
Experimentar o cavalete no cruzamento foi bastante interessante. Ele era estranho demais, alheio demais a qualquer necessidade funcional. As pessoas só estão lá por uma obrigação. Não há tempo, nem disposição, para contemplá-lo. O cavalete causou bastante estranhamento, pouquissímas pessoas o utilizaram. E, se o fizeram, foi só depois de bastante insistência. A baixa aceitação, no entanto, não foi uma surpresa. Quando levamos o vestido, ou desenhamos, ninguém parou para ver.  O ponto é funcional demais, usado demais, conhecido demais. É o verdadeiro oposto do Prince. Isso é bastante bom. 
5. o museu
Um cruzamento no Bom Retiro e um museu são tão opostos que se tornam quase análogos. Tanto um, quanto outro, se reflete em um miscelânea de diversos outros objetos que, em ambos os contextos, servem essencialmente para serem vistos. Não à toa, em meio à tamanha quantidade de informação, podemos nos perder pelos dois.
A maior diferença está no caráter dessas duas essências: o cruzamento é um espaço completamente funcional, enquanto o museu não segue outra função que não a contemplação. Ou seja, no Bom Retiro, cada objeto possui uma vida, que ainda será contada e que, logo, não tem como ser exposta. Eles estão lá para serem usados. Os objetos dos museus seguem a lógica inversa: eles já têm uma história conhecida, seu uso se baseia nessa exposição. Eles estão lá pura e simplesmente para serem observados. Por isso, os museus contêm a ambiência perfeita para a instalação do cavalete, por serem essencialmente espaços de contemplação.
Uma vez dentro do museu, uma obra perde seu contexto original. Com a exposição, e seus consequentes recortes e discursos, ela começa a fazer parte de inúmeras perspectivas individuais, a ponto de tornar-se completamente coletiva. Ela se abre a uma nova realidade, na qual está isenta de todo e qualquer uso funcional.
 Ao observarmos uma "obra de arte", instintivamente a interpretamos e podemos até ressignificar nós mesmos. Isso nunca será negativo. Por que não, então, darmos ao espaço uma possibilidade de ressignificação? É nele que vivemos, ele está presente em toda e qualquer imaginação. É o espaço do museu que, quer sim quer não, dá à arte uma nova perspectiva de observação, validando sua própria qualidade. Ao ser enquadrada, uma tela deixa de ser tela para se transformar em quadro. Um olhar deixa de ser um olhar para se transformar em foto. O museu deixa de ser museu para se transformar também em obra, basta darmos a ele uma perspectiva diferente.
Por ser um espaço de exposição, um museu não faz sentido se vazio. O que é exposto só o é para ser visto. Se dentro do museu, uma obra é qualificada é porque outras pessoas, ao verem tal qualificação, a qualificam também. Logo, os visitantes de uma exposição são tão importantes quanto suas obras. Por que não transformá-los também na própria obra? Deixemos que esse espaço seja ocupado por nós mesmos, os visitantes da exposição. Nos museus, deveria haver um cavalete só para eles.            

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